quarta-feira, 9 de março de 2011

Call-Girl


Se há dias em que gostaria de sair cinco minutos mais tarde, hoje era um desses. Cinco minutos mais tarde era o suficiente para não me cruzar com os carros e as pessoas que me cruzei. Cinco minutos mais tarde e o carro que seguia à minha frente seria outro, tal como seria outro, o carro que seguiria atrás de mim.

Ao quilómetro três. Mais coisa menos coisa, olho para o meu lado direito. Um carro cinza marca Lexus ano 2010 sai de um caminho estreito e sombrio, dez passos atrás caminha uma rapariga. Idade? Apontaria para os vinte e quatro. Saia curta, botas longas e brilhantes. Uma prostituta. O senhor do carro segue à minha frente. Do espelho retrovisor dele, um rosto de quarenta e cinco anos, não mais nem menos. Arranja o cabelo e limpa a boca com um lenço. Camisa branca, gravata. Gravata escura. Não sei se tinha aliança, mas apontaria com 95% de certeza que sim. Com 99% diria que dali chegaria à empresa dentro de quinze minutos. Cargo de chefia. Ninguém conduz um Lexus porque sim. Diria que tem mulher e dois filhos. Diria que dali a umas horas chegaria a casa, beijava a mulher contava três ou quatros episódios de três ou quatro habituais e chatos clientes. Diria que o dia foi uma massada e perguntaria como tinha sido o dela. Ajudava os miúdos nos trabalhos da escola. Deitava-se a um quarto para as onze, beijava a mulher e realçava o dia esgotante que teve.

Tenho quase 98% de certeza que este casal não fala muito de si. Janta às sextas com os amigos e aos sábados passeia os miúdos no parque da cidade. Fazem amor às quintas-feiras. Sorriem e recebem amigos em casa.

Ou então tenho 99% de certeza que nada é assim.

A única certeza que tenho, a certeza dos 100%, é que o ser humano consegue chegar ao limiar de tudo o que é inaceitável. O ser humano consegue beijar quem não ama, consegue trair não por amor, mas por prazer, por um egoísta prazer. Consegue vender o corpo, pior! Consegue vender a alma!

Cheguei a casa sem parar de pensar no que tinha visto. Não a pensar na prostituição do corpo da rapariga que ali passa os dias. Mas sim, da prostituição da dignidade do senhor do carro cinza.

Tenho 100% de certeza que não tenho 100% de dúvidas em relação ao que vi.

by C.

3 comentários:

S* disse...

Às vezes tiramos ideias muito erradas baseados em aparências. :)

Girls Next Door disse...

Sem dúvida. Ás vezes as aparências enganam, às vezes não. :) beijinhos

Anónimo disse...

As aparencias enganam?! Às vezes sim outras não.
E mesmo que não tenha sido o caso, do caso em concreto, é quase 100% certo que muitos casos desses existem e que não aparentam o que esse aparentou!
PrimaSdaN